17 outubro 2011

A missão



Era uma vez o jovem que recebeu do rei a tarefa de levar uma mensagem e alguns diamantes a um outro rei de uma terra distante.
Recebeu também o melhor cavalo do reino para leva-lo na jornada..
- Cuida do mais importante e cumprirás a missão! Disse o soberano ao se despedir.
Assim, o jovem preparou o seu alforje, escondeu a mensagem na bainha da calça e colocou as pedras numa bolsa de couro amarrada à cintura, sob as vestes.
Pela manhã bem cedo, sumiu no horizonte. E não pensava sequer em falhar.
Queria que todo o reino soubesse que era um nobre e valente rapaz, pronto para desposar uma princesa.
Aliás, esse era o seu sonho e parecia que a princesa correspondia às suas esperanças.
Para cumprir rapidamente sua tarefa, por vezes deixava a estrada e pegava atalhos que sacrificavam a sua montaria.
Assim, exigia o máximo do animal.
Quando parava numa estalagem, deixava o cavalo ao relento, não lhe aliviava da sela e nem da carga, tampouco se preocupava em dar-lhe de beber ou providenciar alguma ração.
- Assim meu jovem, acabas perdendo o animal, disse alguém.
- Não me importo, respondeu ele. Tenho dinheiro. Se este morrer, compro outro. Nenhuma falta fará!
Com o passar dos dias e sob tamanho esforço, o pobre animal não
suportando mais os maus tratos, caiu morto na estrada.
O jovem simplesmente o amaldiçoou e seguiu o caminho a pé.

Acontece que nessa parte do país havia poucas fazendas e eram muito distantes umas das outras.
Passadas algumas horas, ele deu-se conta da falta que lhe fazia o animal. Estava exausto e sedento.
Já havia deixado pelo caminho toda a tralha, com excepção das pedras, pois lembrava da recomendação do rei:
- Cuida do mais importante!
Seu passo tornou-se curto e lento.
As paragens, frequentes e longas.
Como sabia que poderia cair a qualquer momento e temendo ser assaltado, escondeu as pedras no salto de sua bota.
Mais tarde, caiu exausto no pó da estrada, onde ficou desacordado.
Para sua sorte, uma caravana de mercadores que seguia viagem para o seu reino, o encontrou e cuidou dele. Ao recobrar os sentidos, encontrou-se de volta em sua cidade.

Imediatamente foi ter com o rei para contar o que havia acontecido e com a maior desfaçatez, colocou toda a culpa do insucesso nas costas do cavalo "fraco e doente" que recebera.
- Porém majestade, conforme me recomendaste, "cuida do mais
importante", aqui estão as pedras que me confiaste.
Devolvo-as a ti. Não perdi uma sequer.
O rei as recebeu de suas mãos com tristeza e o despediu, mostrando completa frieza diante de seus argumentos.
Abatido, o jovem deixou o palácio arrasado.
Em casa, ao tirar a roupa suja, encontrou na bainha da calça a mensagem do rei, que dizia:
"Ao meu irmão, rei da terra do Norte!
O jovem que te envio é candidato a casar com minha filha.
Esta jornada é uma prova.
Dei a ele alguns diamantes e um bom cavalo.
Recomendei que cuidasse do mais importante.
Faz-me, portanto este grande favor e verifica o estado do cavalo.
Se o animal estiver forte e viçoso, saberei que o jovem aprecia a fidelidade e força de quem o auxilia na jornada.
Se porém, perder o animal e apenas guardar as pedras, não será um bom marido nem rei, pois terá olhos apenas para o tesouro do reino e não dará importância à rainha nem àqueles que o servem".


Comparo esta história com o homem que segue sua jornada, tão preocupado com seu exterior, isto é, seu corpo, que guarda como se fosse ouro, esquecendo de alimentar sua alma e espírito com o amor e com a Palavra de Deus.
Certamente não cumprirá a missão, já que não sabe guardar o que é mais importante

10 outubro 2011

Casa com vida!


Carlos Drumond de Andrade (1902-1987)


Casa arrumada é assim:

Um lugar organizado, limpo, com espaço livre para circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa para mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, “afofando” as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida para mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo para a mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Está na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida para mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda gillete, passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta para os amigos, filhos...
Netos, os vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma para ficar com a cara da gente.


Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo para viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar
.

04 outubro 2011

Uma boa amizade...



Ele não passava de um garotinho levado.
Adorava pendurar-se nos galhos das árvores para se balançar.
Vivia com os cabelos ao vento e os pés descalços. Tinha uma alma doce, toda amor.
Chamava-se Guilherme Augusto Araújo Fernandes e morava ao lado de um asilo de idosos.
Ele conhecia todos os que moravam lá. E gostava de cada um deles de uma maneira especial.
Gostava da sra. Silvano que tocava piano. E do sr. Cervantes que sempre lhe contava histórias arrepiantes.
Também do Sr. Valdemar que andava de um lado a outro com um remo, como se houvesse um lago por perto, para remar.
Ajudava a Sra. Mandala a ir de um lado para outro, apoiada em sua bengala.
E admirava o Sr. Possante com sua voz de gigante.
Mas a pessoa de quem ele mais gostava era a sra. Antónia Maria Diniz Cordeiro. É que ela tinha quatro nomes, como ele.
Ele a chamava de dona Antónia e lhe contava todos os seus segredos.
Um dia, Guilherme augusto ouviu seus pais conversarem a respeito da sua amiga.
E entre uma frase e outra, descobriu que dona Antónia tinha perdido a memória.
A mãe comentou que não era de admirar. Afinal, ela estava com 96 anos de idade!
Guilherme quis saber o que era a memória e o pai lhe disse que era alguma coisa da qual a pessoa se lembra.
A resposta não satisfez o menino, que foi perguntar para a sra. Silvano.
"É algo quente", meu filho, "muito quente", foi a resposta.
O Sr. Cervantes lhe disse que era uma coisa muito, muito antiga.
E o sr. Valdemar informou que era uma coisa que fazia chorar, chorar muito.
Para a sra. Mandala, era uma coisa que fazia rir, rir bastante.
Já o Sr. Possante lhe disse que a memória era alguma coisa que valia ouro.
Então o garoto foi para sua casa e começou a procurar memórias para dona Antónia, já que ela havia perdido as suas.
Procurou uma caixa de sapatos cheia de conchas, guardadas há muito tempo, e as colocou numa cesta.
Também colocou uma marionete e a medalha que seu avô lhe tinha dado um dia.
Também para a cesta foi a sua bola de futebol, que valia ouro.
E até um ovo fresquinho, ainda quente, retirado debaixo da galinha.
Aí Guilherme augusto foi visitar dona Antónia e deu a ela, uma a uma, cada coisa da sua cesta.
Ela ficou emocionada com os presentes daquela criança admirável. E começou a se lembrar.
Segurou o ovo ainda quente, entre suas mãos, e contou para o menino sobre um ovinho azul, todo pintado, que havia encontrado uma vez, dentro de um ninho, no jardim da casa de sua tia.
Encostou uma das conchas no ouvido e lembrou da vez que tinha ido à praia de autocarro, há muito tempo, e como sentira calor com suas botas de amarrar.
Pegou nas mãos a medalha e recordou, com tristeza, de seu irmão mais velho, que tinha ido para a guerra. E nunca mais voltou.
Sorriu para a marionete e lembrou da vez em que mostrara uma para sua
irmãzinha, que rira às gargalhadas.
Conseguia lembrar até do detalhe do mingau escorrendo pela boca risonha da menina.
Ela jogou a bola de futebol para Guilherme e lembrou do dia em que se conheceram. E recordou de todos os segredos que haviam compartilhado.
Guilherme Augusto e dona Antónia sorriram e sorriram, pois toda a memória perdida tinha sido encontrada.
E por um menino que nem era tão sábio, nem tão velho.
Era simplesmente um menino que amava os idosos e sabia ser amigo.
***
Para se brindar alguém com alegria, não há necessidade de somas exageradas de dinheiro, nem de dotes especiais.
Para fazer feliz a vida de alguém é suficiente uma dose de tempo, uma pitada de amor e um pouquinho de imaginação.
Em resumo: uma bela amizade.

prémios e miminhos ganhos